26 de setembro de 2007

Especial : Médico(a)s ou Anjos?

fonte: http://www.msf.org.br/noticia/msfNoticiasMostrar.asp?id=390

"O morador de rua não se vê como cidadão. Como alguém que tem direitos"
Médico do projeto Meio-fio, de MSF, que oferece atendimento médico e psicossocial à população em situação de rua no Rio de Janeiro, David Oliveira fala nesta entrevista sobre as dificuldades enfrentadas por esta população no que diz respeito à saúde.

Quais as dificuldades enfrentadas pela população adulta em situação de rua no que diz respeito às questões de saúde?Quando falamos de saúde não se trata apenas de ausência de doença. A saúde é a presença do bem estar na vida do indivíduo. É ele se sentir integrado ao meio em que vive, aceito, amado, enfim, feliz. Vou falar aqui das dificuldades relacionadas à área médica e à problemas clínicos. A primeira grande questão é que a pessoa que vive nas ruas tem um risco maior de adquirir doenças: Alimenta-se mal, está submetido a alterações climáticas, dorme mal, compartilha espaços aglomerados e vive sob intenso nível de stress, com medo de ser roubada ou agredida. Outra dificuldade é a da percepção do individuo em relação ao que sente. A pessoa que tem problemas de saúde muitas vezes não prioriza tratar-se, por viver numa lógica de sobrevivência. Quando não se sabe o que se vai comer ou onde se vai dormir a noite, tosse, febre e mesmo dor, ficam em segundo plano. Como você trabalha para estimular uma maior percepção nessa população em situação de rua?A primeira coisa necessária é o olhar diferenciado para a população em situação de rua. Porque não podemos nos contentar apenas com as respostas que escutamos. A rua tem uma semiologia particular. Há casos de pacientes que quando perguntados se têm algum problema de saúde, respondem não. E aí, num segundo contato você observa que ele tem uma tosse crônica, uma hérnia, sinais e sintomas que não relatou porque nem percebia mais como anormais. Nós vamos tentando resgatar essa percepção aos poucos, para que a pessoa comece a entender que vive com um problema com o qual não precisaria viver e que tem a possibilidade de recorrer ao serviço de saúde.E aí esbarra-se em outro problema que é a questão do acesso? Essa população de fato tem dificuldades de acessar os serviços públicos oferecidos?Esse é um problema grave. Embora o acesso aos serviços públicos de saúde seja muitas vezes difícil para qualquer cidadão, no caso da população em situação de rua, há agravantes. Para se conseguir atendimento é preciso chegar muito cedo ao posto e esperar varias horas. O morador de rua com freqüência precisa sair para pegar o almoço, senão, so vai comer de noite. E a lógica da sobrevivência. Comida primeiro, médico depois. Em segundo lugar, é comum que o morador de rua esteja com roupas sujas e/ou não tenha tomado banho, o que faz com que ele seja mal recebido na sala de espera de um posto de saúde ou mesmo de um hospital. Muitas vezes ele é discriminado e sofre preconceitos de usuários e/ou funcionários dos serviços de saúde. A falta de documentação também apresenta-se como problema freqüente para o acesso do morador de Rua aos serviços públicos. O resultado final de tantas dificuldades é a busca por ajuda apenas em último caso. Assim, muitas questões de saúde tornam-se crônicas e por isso mais difíceis de resolver. E como o projeto Meio-fio tem contribuído para facilitar esse acesso à saúde? O projeto Meio-fio age em três frentes basicamente. Trabalhamos com instituições que lidam com população de rua, tentando sensibilizá-las e compartilhando informações sobre o trabalho com essa população. Trabalhamos nas ruas, ouvindo as demandas dos moradores e encaminhando-os para serviços com os quais tenhamos feito contato anterior. Não só instituições de saúde, mas também outras onde ele possa tirar documentos, tomar banho, cortar o cabelo, etc… Ele chega nesse local com um encaminhamento por escrito e com um resumo de sua historia . Isso facilita a abordagem do profissional que vai recebê-lo. A terceira frente é a sensibilização da sociedade, através de estratégias de comunicação, como por exemplo a exposição fotográfica que pode ser vista no site de MSF atualmente. Você acredita que as questões da dificuldade de acesso e da percepção de saúde estão relacionadas a uma baixa auto-estima?Com certeza. O morador de rua não se vê como cidadão. E não se vê como alguém que tem direitos. Muitas vezes eles nos agradecem muito pelo trabalho, e nós procuramos mostrar que não é favor, é um direito que eles têm. Acredito que haja uma desesperança crônica. Eles vão várias vezes num serviço, são mal atendidos, discriminados e muitas vezes acabam não retornando. Habituam-se a conviver com problemas de saúde, e os problemas acabam virando crônicos. Porque eles não têm mais esperança, não acreditam numa solução. Muitas vezes não acham nem que mereçam. E nós procuramos trabalhar isso, criando vínculo, ganhando confiança, e depois tentando mostrar a eles que há possibilidade de se cuidar e ser cuidado, buscar trabalho, uma vida diferente. Sempre respeitando o desejo de cada um. O projeto Meio-fio não deseja obrigar ninguém a mudar de vida. Deseja ser ponte, apontar caminhos possíveis, formar redes, ajudar a população de rua a resgatar sua cidadania.


Fonte: http://www.msf.org.br/noticia/msfNoticiasMostrar.asp?id=390

Parabéns para o Projeto Meio-fio e a esses GRANDES MÉDICOS que entendem o verdadeiro valor da profissão!!!

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